quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O CÁLICE PARTIDO

"Para que nada nos separe, que nada nos una." Pablo Neruda.

O Cálice Partido

Tem coisas que existem só pra gente querer. E esse querer é mais importante do que conseguir. Aliás, o importante é não conseguir.


São os cálices reserva, fundamentais para não se perder a prática de sonhar. São (e devem ser) inatingíveis de nascença. De preferência proibidos. Um ideal que nasceu pra isso: ser idealizado, imaginado. Não é pra consumo, mas para preencher aqueles nossos hiatos entre uma frustração e um sonho novo. Esse tipo de cálice não sobrevive aqui fora, à luz do dia. Se exposto à vida, oxida, quebra, morre.

Um amigo meu teve um cálice assim.

Seu cálice foi um amor, dos grandes, enormes, quase medieval. Mais do que mortal, porque transcendia tudo. Por razões que nem importam agora, esse amor era também impossível, irrealizável, proibido, embora recíproco. Aprenderam, ele e seu cálice, a amar em silêncio. Eles se encontravam, compartilhavam idéias, gostos, experiências, finais de tarde, mas sem nunca deixar o solo sagrado dos amores platônicos.

E o tempo passava. Cada um vivendo suas histórias reais e imperfeitas, mas "na alegria e na tristeza" sempre se procuravam.

Meu amigo encontrou outra pessoa, uma bem atingível. A relação virou romance, que virou casamento, que virou rotina e cada um virou pro seu lado. Mas na fossa, lá estava ela ainda, seu lindo cálice, "aquilo sim era amor"! Protegido de tudo, seu lindo cálice de amor dourado continuava brilhando em uma cristaleira imaginária.

Até que uma noite...

Marcaram um encontro, ele e seu cálice. Até aí, nenhuma novidade. Já tinham anos de prática em abstrair aquela paixão que não era pra ser. Brilhavam de amor quando se viam, mas não era pra ser.

Num arroubo de coragem, meu amigo colocou Billie Holiday pra tocar. Ele sabia dos riscos. Não se escuta Billie Holiday a dois e fica tudo por isso mesmo. Pra piorar, a noite estava estranhamente perfeita: quieta, quente, janeiro, estrelas.

Antes que
Billie conseguisse acabar a primeira música ("The Way You Look Tonight", segundo ele), o beijo já tinha acontecido. E não satisfeito com o beijo, o que já era informação demais pra eles, foi além: rasgou o verbo, abriu o jogo, lavou a alma. Contou do seu amor secreto, das fantasias, dos poemas, de tanta espera, tanta espera... De repente, ficou até poético:

- Cinco anos! Você é meu segredo há cinco anos!

Dizem que para curar uma "paixão
platônica" só mesmo uma "trepada homérica". Dizem. O que aconteceu depois, naquela noite, continua um segredo entre ele, seu cálice e Billie.

O fato é que a história acabo
u pouco depois. Ao primeiro desafio da realidade, desmoronou. Alguns amores são assim e é isso que devem ser. Precisamos de alguns mitos de estimação. Cálices de mitos não devem ser beijados. Esse era, e se quebrou.

E mesmo hoje, tantos anos depois, ele ainda recolhe alguns cacos que sobraram.

Recebi esta crônica por e-mail, de meu amigo Alentejano(sempre enviando coisas formidáveis! Adoro-o!)
Gostei tanto, mas tanto, que compartilho aqui. A autora é Alessandra Bourdot.
Conheci hoje...e adorei.
Vou segui-la em seu blog:-"Em busca do cálice sagrado."

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