terça-feira, 22 de setembro de 2009

MEU AMIGO JOSÉ MOREIRA





Esta mensagem recebi hoje, de um querido amigo portuga. Meu escritor favorito, e não é rasgação de seda, não.
Esta mensagem vai me dar razão pela escolha.
Gostei tanto, mas tanto, que quiz postá-la aqui, no meu blog.

"Pois é, garota. A vida não pára nem um bocadinho. De vez em quando, eu também dou comigo a pensar que cada vez faltam menos anos. E começo a imaginar como será essa coisa de morrer... Dizem que é como dormir, só que a gente não acorda para mijar. Suponho que é um pensamento incontornável, como que uma doença que acontece a partir dos 60. Olha, eu já tenho essa doença há seis anos.
Um dia, quando estava em tratamento do meu cancro, a médica disse que estava contente porque a recuperação demorou pouco mais de um ano. Vai daí, eu respondi que um ano, na idade dela, que era jovem, era pouco; para mim, que já tinha passado dos 60, era muito. Um ano, nesta idade, é MUITO tempo. Foi nessa altura que eu tive pena de não ser religioso. Se o fosse, podia dizer qualquer coisa como graças a Deus que foi SÓ pouco mais de um ano... E que conforto isso me dava... Ser ignorante deve ser bom....
Mas não há volta a dar. Por isso, quando esse pensamento aparece eu abano a cabeça com força e penso que vou viver ESTE DIA. Amanhã viverei outro, e assim por aí. Um dia de cada vez. E tento encarar a idade não como um drama mas como uma vantagem. Não temos saber de escola, mas temos o saber de experiência feito, como disse Luiz de Camões.
Mas olha, garota não vamos entrar em depressão. Olho para uma tia que tenho, com 95 anos de idade, completamente lúcida, que ainda trata da limpeza da casa, e que também teve um cancro na garganta. E pergunto: ela é mais do que eu? O que me impede de viver assim, completamente lúcido? Nada! Tudo depende de mim. Às vezes, durante os ensaios olho para a gente nova que há lá, e penso "que bom, estar naquela idade". Mas logo a seguir tenho outro pensamento, bem melhor: "Já estive na idade deles. Eles não sabem se chegarão à minha. Eu já cá estou. Eles não sabem se estarão."
Por isso, continuo a sonhar. Em Novembro, se tudo correr bem, vou começar a aprender a pilotar avião. Vou continuar a cantar. Vou continuar a escrever. Vou continuar a viajar. Vou continuar a viver. Vou continuar a amar. E se não continuo a fazer outras coisas como fazia antes, é porque nem tudo se endireita como antigamente. Por isso, também aproveitei enquanto pude. Como dizia "Zorba, o Grego", fumei como uma besta, para poder deixar de fumar; bebi descontroladamente, para poder deixar de beber. Mas soube o que era beber, soube o que era fumar, etc. Claro que também soube o que era ter um cancro por causa disso, mas olha: ainda cá estou.
E vou continuar com a nossa amizade, que é uma coisa muito boa. E fazer muita força para acordar com o dedão do pé a mexer. É uma verificação que faço todos os dias, e que te aconselho: quando acordares verifica se consegues mexer o dedo grande do pé. Não importa qual, pode ser o esquerdo ou o direito. Se conseguires mexer, é sinal de que acordaste viva, e que mais um dia te espera. Vive-o como se fosse o último. E brinda a esse novo dia.
Eu vou brindar. Brindar a cada dia que nasce. Vou brindar como um tio meu, já falecido, brindava. Levantava o copo, bem cheio, e proclamava:

"Tchin-tchin! Quem cá ficar, que se foda!"

(Mensagem de José Moreira, escritor, autor de "O retrato de Judite" e
" Não há crimes perfeitos?", ambos premiados, em Portugal.)

Um comentário:

  1. Interessante! O Alentejano é um aprendiz de escritor e, portanto, não tem a presteza de escrever essas coisas que às vezes também pensa; José Carlos faz isso muito bem.
    Também tive a oportunidade de conferir que a linha dos sessenta nos leva a pensar muio mais nessa coisa que é a idade. E também nos coloca à prova oferecendo-nos dois caminhos: ladeira abaixo e ladeira acima. Eu escolhi o de ladeira acima e deduzi que José Carlos também. Claro que esse caminho é mais tortuoso, mas leva-nos mais além. Pelo outro desceremos muito rápido.

    ResponderExcluir